sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Os inconvenientes na moda masculina no século XVIII



Casaca e colete tornaram-se mais curtos e a parte de baixo das pernas ficaram totalmente à mostra. Não eram mais cobertas por botas altas, ou franjas no joelho. Aquele que não podia exibir belas panturrilhas musculosas tinham que se contentar com a compra de um par artificial na loja, e vesti-las sob as meias.

Em nenhum outro lugar foram as vantagens e desvantagens desse acolchoamento melhor discutidas do que nas memórias do Capitão Coignet, que escreveu em idade avançada (Les cahiers Du Capitaine Coignet, Hachette). Em 1809 ele entrou em Paris com o exército de Napoleão; para sua grande alegria foi promovido a sargento e passou a receber 43 sous por dia. Mas com a patente mais elevada vieram duas obrigações adicionais: tinha que aprender a escrever e era obrigado a vestir meias brancas de seda. Infelizmente, porém, uma nuvem obscureceu sua alegria: ele não tinha canelas grossas. Teve que vestir panturrilhas falsas, que sinceramente detestava. Seu problema exigia uma solução imediata, porque ele recebeu um convite para uma festa na casa do capitão, onde encontraria muitas damas belas. Foi ao Palais Royale (na época um centro de diversões, de comércio, e gastronômico) e comprou um par de acolchoados para vestir sob as meias (18 francos o par – era necessário fazer sacrifícios em nome da beleza), um segundo par de meias para suavizar os contornos e finalmente as meias brancas de seda.

Na festa, sentou-se entre duas belas e sofisticadas damas, que ficaram visivelmente impressionadas com o sargento. Na manhã seguinte, a criada de quarto da mais charmosa das senhoras chegou com um convite para um encontro. Nas asas do amor ele se apressou para o endereço indicado. A criada organizou tudo: ele teve que esperar porque ela precisava despir a senhora antes que ele entrasse no quarto. Ao entrar, a madame aguardava, em uma cama magnífica... Mas e ele? Estava nas garras do delírio intoxicante do amor? Em absoluto. Só pensava em suas panturrilhas falsas e na dificuldade de se livrar de três pares de meias. Com muito esforço conseguiu esconder as panturrilhas sob o travesseiro, que, entretanto, não permitiu um cochilo tranquilo. Na manhã seguinte a dama o deixou a sós por um momento para que pudesse se recompor com privacidade.

De volta ao quartel seus amigos lhe perguntaram, ‘Qual é o problema com suas meias? Parece que você está usando panturrilhas falsas’. Ele imediatamente retirou o adorno caro e o atirou no fogo: ‘De agora em diante, é perna fina para mim.’ O romance não durou muito tempo.

(CANTER CREMERS-VAN DER DOES, Eline. The agony of fashion. Dorset: Blanford Press, 1980. P. 48 - 52)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Moda e erotismo no período Rococó (1715 a 1790)

“Embora pé e sapato agora fossem visíveis, o que ainda estava escondido pelas saias continuava a ser um doce segredo. Para solucionar esse enigma um homem poderia fazer três coisas: primeiro, ele poderia olhar furtivamente quando uma dama amarrasse novamente sua liga ao redor de seu joelho, em segundo lugar, poderia brincar de saltar de modo selvagem com a moça para que ela caísse, e, finalmente, poderia empurrá-la em um balanço. Consequentemente, o balanço tornou-se uma brincadeira muito popular entre os jovens. As três situações são temas frequentes nas pinturas e gravuras da época.” (CANTER CREMERS-VAN DER DOES, Eline. The agony of fashion. Dorset: Blanford Press, 1980. P. 57)

Jean-Honoré Fragonard pintou um quadro intitulado “O balanço”, que representa uma cena de diversão íntima entre marido e mulher, ele muito mais velho, da qual participa furtivamente o jovem amante, que se delicia com a cena oferecida a seu olhar apaixonado.


domingo, 21 de junho de 2009

Carioca foge dos populares por vestir criação de Paul Poiret

O estilista francês Paul Poiret (1879 - 1944) foi o criador da jupe-culotte, uma saia-calça com uma abertura junto aos calcanhares muito estreita, limitando a amplitude da passada das senhoras. A novidade chegou ao Rio de Janeiro em 1911, provocando forte reação da população, chocada com o fato de uma mulher vestir uma peça com características da calça masculina.



Ilustrações das criações de Paul Poiret

Em 18 de maio de 1911, uma jovem carioca saiu para um passeio (na época chamado de footing) na Avenida Central (nome original da Avenida Rio Branco) vestindo sua jupe-culotte. A reação dos transeuntes foi imediata. Ela foi perseguida, vaiada e ameaçada de espancamento, conforme citação de Silvana Gontijo no livro de Maria Rita Moutinho e Máslova Teixeira Valença, A moda no século XX, publicado no Rio de Janeiro pela editora Senac Nacional, em 2000. "A jupe-culotte (saia-calça), última novidade parisiense, usada por uma audaciosa jovem em plena Av. Central em 1911, é um escândalo. A tal ponto que se vê obrigada a refugiar-se em uma loja para não ser linchada."

Esta moça precisou fugir da fúria popular no Rio de Janeiro

segunda-feira, 18 de maio de 2009

O primeiro escândalo da moda carioca no século XX, a Jupe-culotte

Por Robson Granado


Acima, publicada em Careta, em 18/03/1911, e abaixo, publicada em 25/03/1911

“Hontem, no pateo do Hospício Nacional de Alienados, perante numerosos psychiatras, foi solemnemente lançada a pedra fundamental do monumento destinado a commemorar a invenção da jupe-culotte.”

Esta nota satírica foi publicada na revista Careta, em 25 de março de 1911. Na mesma edição, várias outras inserções apresentavam a novidade chegada ao Rio de Janeiro no final de 1910, a saia-calça, a então chamada jupe-culotte ou saia entravada.

A novidade provocou a reação indignada da população, principalmente a masculina. Uma mulher usando um misto de saia e calça era uma inversão de valores para a época, uma invasão do domínio tradicional do homem. Na imprensa popular, como a revista Careta, a reação foi de deboche tanto das mulheres que se atreviam a se apresentar em público vestindo a moda das damas parisienses, quanto de seus maridos.

As jovens eram vaiadas no centro da cidade. Os homens sentiam-se ameaçados por uma atitude entendida na época como feminismo másculo. Os maridos mais rigorosos não permitiam que suas esposas usassem o que eles chamavam de calças. Os que aceitavam a novidade em suas casas eram vistos como frouxos, maricas, incapazes de assumir seu papel de homem, marido e chefe de família.

Esta talvez tenha sido a primeira novidade da moda no século XX que revolucionou as tradições do vestuário feminino e desestabilizou a percepção do papel da mulher na família, na sociedade e no Brasil. Esse século, que mal começava, guardava outras revoluções muito mais profundas, que teriam na moda uma vitrine e uma oportunidade tanto para o protesto quanto para a apropriação ideológica e comercial de mudanças sociais, econômicas e políticas que viraram a sociedade pelo avesso.


Acima, publicada em 8/04/1911, e abaixo, publicada em 25/02/1911


Acima, publicada em 25/03/1911, e abaixo publicada em 26/11/1910


Acima, publicada em 15/04/1911, e abaixo publicada em 25/03/1911


Acima, publicada em 25/03/1911, e abaixo publicada em 25/03/1911

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Rose Marie Muraro, esta é a mulher!



Por: Ruth Joffily*
O título da biografia de Rose Marie Muraro ("Memórias de uma mulher impossível", editora Rosa dos Tempos) é chamativo e atraente. Assim também pensou a passageira de um ônibus circular da cidade do Rio de Janeiro que, ao ver o livro no meu colo, não se conteve e pediu para dar uma olhada. "Gostei muito do título," me disse a tal passageira. "Levo uma vida difícil. Sou funcionária pública, salário congelado há anos, e ainda tenho dois filhos para criar ..."

Ao ouvir esta desconhecida fazer o seu desabafo, lembrei-me que o livro da Rose foi definido, pela jornalista Elizabeth Orisini, em reportagem publicada no jornal "O Globo"como um "libelo contra a opressão". E é a pura verdade, pois neste livro a autora conta toda a sua vida e mostra como conseguiu vencer a cegueira (nasceu cega, com uma vista enxerga apenas 5% e com a outra não enxerga nada) e a morte. Na infância, Rose Marie teve septicemia no primeiro ano de vida e, posteriormente, reumatóide, tendo que reaprender a andar.

A vida de Rose, portanto, não foi um "mar de rosas". Pelo contrário, ela teve que enfrentar, desde cedo, sérias doenças, além de uma gravíssima deficiência visual que não a impediu a aprender a ler. Mas Rose foi muito além: tornou-se uma escritora e uma editora de sucesso. E como ela conseguiu isto? "Mirei-me no exemplo de quem vive de salário mínimo e sobrevive ... E eu sobrevivi, como eles, porque não vivi dentro do possível." Rose sempre fez apostas no impossível... "E eu aos cinco anos, embora inconsciente e infantil, fiz uma aposta no impossível e aprendi a ler, apesar do médico da minha família ter dito, à minha mãe, que eu deveria deixar de ir à escola, pois não iria aprender a ler, em função de ser "cegueta".

A convivência, desde a infância, com sérias limitações fez de Rose Marie uma mulher muito especial. Tão especial que ela dispensa a felicidade, sentimento que a maioria das pessoas busca freneticamente, como se não pudesse viver sem ela. Rose, remando contra a maré do estabelecido, considera que a felicidade é burra. "Entender o mundo também é uma maneira de vê-lo. Concordo com Toni Morrison, que ganhou o prêmio Nobel, quando ela diz que a felicidade é a procura de uma totalidade que só acontece com as pessoas que não foram felizes. Para ela, ser feliz é muito chato e muito pouco, porque fecha o ser humano para a totalidade que é a ordem e a desordem, felicidade e infelicidade. No meu caso, se eu quisesse ser feliz, não teria a vida "tão estranha" que tive, teria me acomodado na felicidade", afirma Rose na sua entrevista ao caderno "Prosa e Verso" do jornal O Globo.

Trocando em miúdos, a inquietação gera a abertura para a criação. E para Rose Marie Muraro só o "impossível abre o novo. Só o impossível cria. "Daí ela ter dito que aprendeu a ter prazer em viver o impossível observando quem vive com o salário mínimo no Brasil: a sobrevivência depende de vencer milhões de obstáculos, preconceitos, discriminação e, depende, também, de muita criatividade, inclusive na hora de se alimentar. Não é à toa que foi publicada (no dia 2 do corrente) uma reportagem no jornal O Globo cujo título é: "Deputados procuram favelados". E no texto da reportagem é dito que "dois deputados federais subiram o morro do Andaraí, na zona norte do Rio de Janeiro, para saber como uma família vive com R$ 136,00 (...)" Trata-se realmente de um milagre, que vem acontecendo no Brasil há bastante tempo. E o segredo desta teimosa sobrevivência de quem recebe, literalmente, o mínimo em remuneração e em direitos como cidadão está neste "viver a impossibilidade" conforme afirma Rose Marie.

Vale à pena ler a biografia desta feminista consagrada, desta mulher realmente extraordinária, que merece a nossa sincera admiração.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Zuzu Angel, eu sou a moda brasileira


Por Ruth Joffily


Não existem fronteiras entre a Zuzu-mulher e a Zuzu Angel-estilista, pioneira na busca e interpretação de um estilo nacional. Há uma coerência entre a pessoa (leia-se a mãe, a dona-de-casa) e a profissional. As duas são uma única pessoa: sólida, forte, batalhadora e, sobretudo, autêntica, pois sempre permaneceu fiel aos seus ideais e sonhos. E aí reside uma possível explicação para a sua maneira arrojada de se jogar por inteiro no que acreditava. E não poupou esforços: trabalhava noite e dia, sempre às voltas com a criação das suas coleções. Quando se fez necessário, remou contra a maré do pré-estabelecido, do aceitável.
Seu trabalho de criação se iniciava através da escolha das texturas dos tecidos. A partir daí, ela chegava à forma da roupa, sempre se preocupando em respeitar as formas do corpo feminino. Zuzu jamais rimava estética com dor, com apertos, com falta de ar, com um corpo "sufocado", incapaz de respirar. Zuzu rimava, como é moda agora, vestir com arte, vestir com design. Seu conceito sobre a roupa era arquitetural: o corpo era usado como a estrutura de um prédio. "Eu sigo e respeito, a estrutura dos ossos. No corte, na modelagem, cada estilista pode acrescentar ou tirar, aumentar ou diminuir, suavizar ou acentuar. O importante é que a harmonia seja mantida", afirmava Zuzu, que gostava de salientar que não criava roupas para manequins. Criava roupas para mulheres com carne, ossos, emoções e sonhos. Zuzu sustentava que a simplicidade na linha, bem modelada, e a simetria na forma eram a chave-mestra para uma silhueta distinta e elegante.
Desde o começo da sua carreira, se auto-denominava de "costureira", o que gerou um sentimento de respeito da sociedade (muitas vezes conservadora) com as costureiras, ontem e hoje presentes no cotidiano de muitas mulheres, de muitas famílias brasileiras. Zuzu-costureira alimentou-se dos assuntos, dos temas que o seu país lhe oferecia. Daí ter criado as coleções inspiradas em Marias Bonitas, Lampiões e em mulheres rendeiras. E mais: levou estas coleções para Nova York, onde, pela primeira vez, uma estilista nacional ocupou as vitrines da loja de departamento Bergdorf Goodman. E as jornalistas norte-americanas que entrevistaram Zuzu destacaram inclusive o uso, feito por Zuzu Angel, de pedras preciosas ora presentes em turbantes (um quê de Carmem Miranda, um quê de baiana, um quê das musas de Dorival Caymmi e Carybé), ora ocupando o espaço dos tradicionais botões em blusas e vestidos.
Zuzu-criadora tinha um "certo sentimento do mundo" e não estabelecia doutrinas tão absolutas que empobrecessem suas criações. Ela, sem dúvida, tinha um "sentimento íntimo" que a tornava uma mulher do seu tempo. Ela, ao se comprometer com a sua época, a transcendeu. Uniu "localistas" - leia-se artesões, rendeiras, bordadeiras - aos "universalistas - antecipou, sem dúvida, a moda globalizada, que necessita hoje, mais do que nunca, ter um quê local, um quê nacional.
Antecipou, em quase meio século, a união, no Brasil, do artesanato à moda industrial. Chegou a este caminho ao iniciar, como pioneira que foi, uma adaptação da moda internacional à realidade nacional, ao mesmo tempo que fazia o caminho inverso: levou o espírito e os princípios da cultura popular, do folclore, da criatividade das mulheres rendeiras para o exterior. Ela derrubou fronteiras e antecipou, literalmente no século passado, a aproximação eclética, no Brasil, da moda com o design.
Idealista, sonhadora, tinha a cabeça nas nuvens e os dois pés no chão: criava peças originalíssimas, mas gostava de vender. E precisava vender. Era a chefe de família, tinha três filhos para educar, orientar. Enfim, tinha três filhos que criou para o mundo. Zuzu, como muitas mulheres inteligentes, ousadas e criativas não foi compreendida no Brasil, na época em que viveu. Era uma mulher que combinava força, tenacidade e uma certa ternura.
Necessitou andar sozinha, após ter se separado do pai dos seus filhos. Foi admirada por muitos homens, mas não amada. Ao longo do jogo da vida perdeu a felicidade, ao não aceitar o terrível assassinato do seu jovem, sonhador e idealista filho Stuart, que expressou o sentimento de uma geração belíssima, que sonhou em melhorar as relações entre os "homens de boa vontade" e diminuir as terríveis desigualdades sociais que ainda hoje fazem o Brasil viver preso ao medo. Para os conservadores, seu filho era um "comunista". Para Zuzu seu filho Stuart era, como os jovens de sua geração, um humanista como ensinam nas Santas Escrituras. Para denunciar sua morte, não usou o verbo. Para Zuzu Angel, o verbo tira o sabor, o gosto, o prazer do ato. Conclusão: entrou para a história da moda nacional e internacional ao ser a primeira estilista a utilizar uma estamparia exclusiva (com anjos, do seu sobrenome Angel, anjos caídos, anjos feridos, anjos esquartejados) para fazer a denúncia do assassinato de um inocente, de um jovem idealista, que hoje faz, como ela, falta numa realidade cotidiana, neste início do século XXI, onde a fama, o poder e o dinheiro aparecem como valor mais cultuado nos altares de narciso.
E vale destacar que a matéria-prima de Zuzu Angel foi a solidariedade, a coragem pessoal, e o altruísmo, sobretudo, tinha e expressava um compromisso com o público: vestiu estrelas nacionais e internacionais, mas também vestiu mulheres comuns: adotou, precocemente no Brasil, o estilo de peças coordenadas, simplificou os guarda-roupas rebuscados, "embabadados", "peruados". Impregnada de saber, de cultura, Zuzu, porém, não deixava que as convenções a limitassem. Sabia que direita e esquerda eram argumentos fáceis de serem interpretados e de, sobretudo, serem explorados, como são atualmente, nesta indústria (cultural, política, econômica etc.) de marcas e nomes. E sabia também que o vestir, assim como o ler, o ouvir uma música, o ir ao cinema o ver um programa na televisão, são uma pausa, uma interrupção da nossa vida cotidiana, uma suspensão da realidade. Pois ela, a realidade, é sempre dura demais para ser encarada em tempo integral. Daí a gente gosta de voar de vez em quando. E ela, sábia, foi pioneira, foi a primeira a dar asas para a moda nacional poder voar, e alcançar outros continentes. Obrigada, Zuzu!