segunda-feira, 11 de maio de 2009

Rose Marie Muraro, esta é a mulher!



Por: Ruth Joffily*
O título da biografia de Rose Marie Muraro ("Memórias de uma mulher impossível", editora Rosa dos Tempos) é chamativo e atraente. Assim também pensou a passageira de um ônibus circular da cidade do Rio de Janeiro que, ao ver o livro no meu colo, não se conteve e pediu para dar uma olhada. "Gostei muito do título," me disse a tal passageira. "Levo uma vida difícil. Sou funcionária pública, salário congelado há anos, e ainda tenho dois filhos para criar ..."

Ao ouvir esta desconhecida fazer o seu desabafo, lembrei-me que o livro da Rose foi definido, pela jornalista Elizabeth Orisini, em reportagem publicada no jornal "O Globo"como um "libelo contra a opressão". E é a pura verdade, pois neste livro a autora conta toda a sua vida e mostra como conseguiu vencer a cegueira (nasceu cega, com uma vista enxerga apenas 5% e com a outra não enxerga nada) e a morte. Na infância, Rose Marie teve septicemia no primeiro ano de vida e, posteriormente, reumatóide, tendo que reaprender a andar.

A vida de Rose, portanto, não foi um "mar de rosas". Pelo contrário, ela teve que enfrentar, desde cedo, sérias doenças, além de uma gravíssima deficiência visual que não a impediu a aprender a ler. Mas Rose foi muito além: tornou-se uma escritora e uma editora de sucesso. E como ela conseguiu isto? "Mirei-me no exemplo de quem vive de salário mínimo e sobrevive ... E eu sobrevivi, como eles, porque não vivi dentro do possível." Rose sempre fez apostas no impossível... "E eu aos cinco anos, embora inconsciente e infantil, fiz uma aposta no impossível e aprendi a ler, apesar do médico da minha família ter dito, à minha mãe, que eu deveria deixar de ir à escola, pois não iria aprender a ler, em função de ser "cegueta".

A convivência, desde a infância, com sérias limitações fez de Rose Marie uma mulher muito especial. Tão especial que ela dispensa a felicidade, sentimento que a maioria das pessoas busca freneticamente, como se não pudesse viver sem ela. Rose, remando contra a maré do estabelecido, considera que a felicidade é burra. "Entender o mundo também é uma maneira de vê-lo. Concordo com Toni Morrison, que ganhou o prêmio Nobel, quando ela diz que a felicidade é a procura de uma totalidade que só acontece com as pessoas que não foram felizes. Para ela, ser feliz é muito chato e muito pouco, porque fecha o ser humano para a totalidade que é a ordem e a desordem, felicidade e infelicidade. No meu caso, se eu quisesse ser feliz, não teria a vida "tão estranha" que tive, teria me acomodado na felicidade", afirma Rose na sua entrevista ao caderno "Prosa e Verso" do jornal O Globo.

Trocando em miúdos, a inquietação gera a abertura para a criação. E para Rose Marie Muraro só o "impossível abre o novo. Só o impossível cria. "Daí ela ter dito que aprendeu a ter prazer em viver o impossível observando quem vive com o salário mínimo no Brasil: a sobrevivência depende de vencer milhões de obstáculos, preconceitos, discriminação e, depende, também, de muita criatividade, inclusive na hora de se alimentar. Não é à toa que foi publicada (no dia 2 do corrente) uma reportagem no jornal O Globo cujo título é: "Deputados procuram favelados". E no texto da reportagem é dito que "dois deputados federais subiram o morro do Andaraí, na zona norte do Rio de Janeiro, para saber como uma família vive com R$ 136,00 (...)" Trata-se realmente de um milagre, que vem acontecendo no Brasil há bastante tempo. E o segredo desta teimosa sobrevivência de quem recebe, literalmente, o mínimo em remuneração e em direitos como cidadão está neste "viver a impossibilidade" conforme afirma Rose Marie.

Vale à pena ler a biografia desta feminista consagrada, desta mulher realmente extraordinária, que merece a nossa sincera admiração.

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